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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Quando fico a pensar poder deixar de ser
antes que a minha pena haja tudo traçado,
antes que em algum livro ainda possa colher
dos grãos que semeei o fruto sazonado;

quando vejo na noite os astros a brilhar
- vasto e obscuro Universo, impenetrável mundo! -
quando penso que nunca hei de poder traçar
sua imagem com arte e em sentido profundo;

quando sinto a fugaz beleza de alguma hora
que não verei jamais - como doce miragem –
turva-se a minha mente, e a alma em silêncio chora

um impulsivo amor. E a sós, me sinto à margem
do imenso mundo, e anseio imergir a alma em nada
até que a glória e o amor me dêem a hora sonhada!

John Keats( inglês - 1795-I82l )

SONHO VAGO

Um sonho alado que nasceu num instante,
Erguido ao alto em horas de demência...
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristíssima, distante...
Onde está ele o Desejado? O Infante?
O que há de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?
E neste sonho eu já nem sei quem sou...
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou...
Um fogo-fátuo rútilo, talvez...
E eu ando a procurar-te e já te vejo!...
E tu já me encontraste e não me vês!...


(Florbela Espanca)




Um largo e lento vento dormente

Taciturnas lágrimas sonâmbulas, sinfônicas

Um esquecimento amargo

Uma sombria clausura de almas

Suspirando e gemendo solitárias harmonias

Vago luar de esquecimento e prece,
Dessa melancolia que anda errando
No mar e nas estrelas ondulando,
Pela minh'alma etereamente desce.

Na minh'alma, dos Sonhos anoitece
O Sentimento que ando transformando
Em hóstia de ouro

Sombra e silêncio


(João da Cruz e Sousa)

Por Que Mentias?





Por que mentias leviana e bela?
Se minha face pálida sentias
Queimada pela febre, e se minha vida
Tu vias desmaiar, por que mentias?

Acordei da ilusão, a sós morrendo
Sinto na mocidade agonias.
Por tua causa desespero e morro...
Leviana sem dó, por que mentias?

Sabe Deus que te amei! Sabem as noites
Essa dor que alentei, que tu nutrias!
Sabe esse pobre coração que treme
Que a esperança perdeu porque mentias!

Vê minha palidez – a febre lenta,
Esse fogo das pálpebras sombrias...
Pousa a mão no meu peito! Eu morro! Eu morro!
Leviana sem dó, por que mentias?

(Álvares de Azevedo)

Como Eu Te Amo

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;

Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua;

Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;

Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O suspiro da fonte que serpeia,
Uma imagem risonha e sedutora;

Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os céus,
Silêncio, e cores, e perfume, e vida,
Os pais e a pátria e a virtude e a Deus.

Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-to os lábios meus, - mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande.

Amo em ti – Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.
O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh! Nunca saibas.
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!
Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, não supões, nem te eu revelo,
Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

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De mim não saberás como te adoro;
Não te direi jamais,
Se te amo, e como, e a quanto extremo chega
Esta paixão voraz!

Se andas, sou o eco dos teus passos;
Da tua voz, se falas;
O murmúrio saudoso que responde
Ao suspiro que exalas.

No odor dos teus perfumes te procuro,
Tuas pegadas sigo;
Velo teus dias, te acompanho sempre,
E não me vês contigo!

Oculto e ignorado me desvelo
Por ti, que me não vês;
Aliso o teu caminho, esparjo flores
Onde pisam teus pés.

Mesmo lendo estes versos, que m’inspiras,
- Não pensa em mim, dirás:
Imagina-o, se podes, que os meus lábios
Não to dirão jamais!

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Sim, eu te amo; porém nunca
Saberás do meu amor;
A minha canção singela
Traiçoeira não revela
O prêmio santo que anela
O sofrer do trovador!

Sim, eu te amo; porém nunca
Dos lábios meus saberás,
Que é fundo como a desgraça,
Que o pranto não adelgaça,
Leve qual sombra que passa,
Ou como um sonho fugaz!

Aos meus lábios, aos meus olhos
Do silêncio imponho a lei;
Mas lá onde a dor se esquece,
Onde a luz nunca falece,
Onde o prazer sempre cresce,
Lá saberás se te amei!

E então dirás: “Objeto
Fui de santo e puro amor;
A sua canção singela,
Tudo agora me revela;
Já sei o prêmio que anela
O sofrer do trovador.

“Amou-me como se ama a luz querida
Como se ama o silêncio, os sons, os céus,
Qual se amam cores e perfumes e vida,
Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!”

(Gonçalves Dias)

A Morte É Que Está Morta

A morte é que está morta.
Ela é aquela Princesa Adormecida
No seu claro jazigo de cristal.
Aquela a quem, um dia – enfim - despertarás...

E o que esperavas ser teu suspiro final
é o teu primeiro beijo nupcial!

-Mas como é que eu te receava tanto
(no teu encantamento lhe dirás)
E como podes ser assim - tão bela?!
Nas tantas buscas, em que me perdi,
Vejo que cada amor tinha um pouco de ti...
E ela, sorrindo, compassiva e calma:
-E tu, por que é que me chamavas Morte?
Eu sou apenas, a tua Alma...


(Mário Quintana)

Canção Para Uma Valsa lenta


Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo

Minha vida não foi um romance,
Minha vida passou por passar.
Se me amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...

(Mário Quintana)





Um poema como um gole d’água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.




(Mário Quintana)