-->

quinta-feira, 22 de setembro de 2011


Sei que eu mesma não presto.
Mas eu te digo: eu nasci para não me submeter;
e se houver essa palavra, para submeter os outros.
Não sei porque nasceu em mim desde sempre a idéia profunda
de que sem ser a única nada é possível.
Talvez minha forma de amor seja nunca amar
senão as pessoas de quem eu nada queira esperar e ser amada.


Clarice Lispector

Chanson


Disse a meu peito, a meu pobre peito:
- Não te contentas com um só amante?
Pois tu não vês que êste mudar constante
Gasta em desejos o prazer do amor?

Êle respondeu: - Não! não me contento;
Não me contento com um só amante.
Pois tu não vês que êste mudar constante
Empresta aos gozos um melhor sabor?

Disse a meu peito, a me pobre peito:
- Não te contentas desta dor errante?
Pois tu não vês que êste mudar constante
A cada passo só nos traz a dor?

Êle respondeu: - Não! não me contento,
Não me contento desta dor errante...
Pois tu não vês que êste mudar constante
Empresta às mágoas um melhor sabor?

Tradução de Castro Alves-Alfred du Musset

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Há uma solidão no céu,
uma solidão no mar
e uma solidão na morte.
Mas fazem todas companhia
comparadas a este local profundo,
esta polar intimidade,
uma Alma que reconhece a Si mesma:
finita infinidade.


Emily Dickison
Estou ouvindo música.
Debussy usa as espumas do mar morrendo na areia,
refluindo e fluindo.
Bach é matemático.
Mozart é o divino impessoal.
Chopin conta a sua vida mais íntima.
Schoenberg, através de seu eu,
atinge o clássico eu de todo o mundo.
Beethoven é a emulsão humana em tempestade
procurando o divino e só o alcançando na morte.
Quanto a mim, que não peço música,
só chego ao limiar da palavra nova.
Sem coragem de expô-la.
Meu vocabulário é triste e às vezes
wagneriano-polifônico-paranóico.
Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere.
Sou uma paisagem cinzenta e azul.
Elevo-me na fonte seca e na luz fria.

(Clarice Lispector)